sábado, 6 de outubro de 2007

Amália

















Destino - Fatum - Fado

















Fatum em latim significa destino.








Após a reconquista cristã, os canticos dos Mouros (primeira metade do sec XIX) permaneceram na Mouraria bairro da cidade de Lisboa, esta é a explicação mais aceite para a origem do Fado de Lisboa

A dolência e a melancolia daqueles cantos, tão comum no Fado, estaria na base dessa explicação.



O fado teve o seu apogeu com Amália Rodrigues.

Grandes poetas, como Luís de Camões, José Régio, Pedro Homem de Mello, Alexandre O’Neill, David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos e outros, emprestaram os seus poemas para depois de musicados serem cantados por Amália.

O Fado de Lisboa que é hoje conhecido mundialmente pode ser (e é muitas vezes) acompanhado por violino, violoncelo e até por orquestra, mas não dispensa a sonoridade da guitarra portuguesa.

As melhores casas de fado encontram-se nos bairros típicos de Lisboa: Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa.

Mantém as características dos primórdios: o cantar com tristeza e com sentimento mágoas passadas e presentes. Mas também pode contar uma história divertida com ironia ou proporcionar um despique entre dois cantadores, muitas vezes improvisando os versos – então, é a desgarrada.


























AMÁLIA RODRIGUES (Amália da Piedade Rebordão Rodrigues) é o exemplo máximo do fado.

1920 - Serra da Gardunha, um tocador de cornetim e sapateiro leva uma vida insegura, tem que assegurar o sustento dos quatro filhos e da mulher novamente grávida.
Por causa do cornetim, poucos sapatos fizera.
Resolve sair da Beira Interior e tentar a sorte em Lisbooa.
É em Lisboa, na Rua Martim Vaz, que a mulher dá à luz uma criança do sexo feminino: Amália da Piedade Rodrigues. A vida está má e o sapateiro-músico não arranja trabalho. Voltam todos para o Fundão mais pobres do que nunca. Excepto Amália que, com 14 meses, fica em Lisboa com os avós.
Aos14 anos e depois de frequentar a escola Amália resolve ir viver de novo com os pais e irmãos que regressaram a Lisboa.
Passa a viver numa enorme confusão, a casa era pequena para tanta gente, o casal e os seus cinco filhos.
Como é costume das gentes da Beira Baixa, as hierarquias são para se respeitar. O irmão mais velho é que quem manda, é quem bate, Amália apanha muitas bofetadas do irmão por cantar na rua - ela que tanto gosta de cantar.
Por outro lado Amália ,como filha mais velha, tem que ajudar a mãe na lida da casa. Passa as calças e as camisas dos irmãos, tira nódoas dos fatos domingueiros. Todos os dias leva o almoço aos irmãos à tasca o “77” em Alcântara, onde eles só consomem vinho para poderem usar as mesas.
Eram muito pobres, mas apobreza para eles era natural. Ninguém se lamentava.
Era o fado da gente pobre. Se estava frio ficavam à braseira. Se chovia os alguidares, tachos e panelas espalhados no chão apanhavam a chuva. Se a água caía e estavam a dormir encolhiam-se para o lado.
Amália escreve nas suas memórias ..."Mas nunca nos revoltámos com a vida. Com certeza, que havia pessoas diferentes de nós, senão não havia revoluções. Mas nuca ouvi sequer falar dessas coisas. Os privilegiados é que falam dessas coisas, não são os pobres. E no fundo entre os pobres também há diferenças de classe. Éramos gente à margem».
Em 1938 representa o Bairro de Alcântara, onde vive, no Concurso da Primavera em que se disputa o título de Rainha do Fado. Canta aqui e ali, cantigas tradicionais e danças rurais, do vira ao malhão, bem como as marchas populares nas festas dos santos populares de Lisboa, organizadas pelas colectividades de Cultura e Recreio com cujo espírito se identificará sempre. Conhece o guitarrista e torneiro mecânico Francisco Cruz por quem se apaixona. Tenta o suicídio por desgosto de amor.
Entretanto O fado salta das ruas e vielas de Lisboa, dos retiros e casas de pasto tradicional para as chamadas «casas de fado» como o Solar da Alegria, o Retiro da Severa, o Luso destinado a um público sofisticado e burguês, com poder de compra.
É precisamente numa desta casas, o Retiro da Severa, que em 1939 Amália faz a sua estreia profissional. No ano seguinte actua no Solar da Alegria, como artista exclusiva com repertório próprio. Estreia-se no Teatro Maria Vitória, na revista «Ora vai tu» personificando a fadista vestida com xaile negro. Casa-se com Francisco Cruz, o torneiro mecânico e guitarrista amador.
Aos 23 anos, Amália divorciada a seu pedido, é uma jovem divertida e independente. Ganha bem e sente-se bem em Lisboa. A vida é uma festa. Agrada ao público com a sua voz. Canta e dança tudo o que está na moda; passodobles, tangos, sambas, valsas. Todos lhe fazem a corte. Leva o público das casas de fado atrás dela.
1943 - Começa o seu sucesso internacional - estreia-se com grande sucesso no estrangeiro em Madrid, a convite do embaixador português.
1944 - É o delírio no Brasil. A sua estada, prevista para seis semanas, estende-se por três meses e grava, em 78 rotações, os seus primeiros discos.
Em 1949 António Ferro é uma espécie de ministro de Salazar para a cultura. Tem o apoio artístico do sector modernista nacionalista, entre os quais se destaca Almada Negreiros. Amália já fizera grande sucesso no Brasil e em Madrid. Os seus discos são vendidos em 16 países. Pela primeira vez vai a Londres e a Paris a convite de António Ferro, que considera Amália uma grande artista e mulher inteligente. Sempre que é necessário abrilhantar as recepções governamentais pede-lhe que esteja presente para cantar e encantar: «Achava que eu era melhor toalha que tinham em casa mas nunca me ajudou a ser a Amália Rodrigues». Nunca ninguém do governo a elogiou. A única pessoa que sempre a tratou com respeito foi realmente o António Ferro. Salazar sempre que a ela se referia, chamava-lhe a criaturinha .
Em 1950 surge o Plano Marshall baseado num programa económico para restaurar uma Europa em ruínas. Organizam-se os primeiros espectáculos na cidade de Berlim.







Participam todos os países que aderiram a este plano americano. No meio de cantores de música clássica, Portugal que não tem cantores líricos de nomeada escolhe Amália.







"Como ouviram alguns discos meus preferiram escolher-me".



Canta os poetas portugueses Pedro Homem de Mello e David Mourão Ferreira. A Irlanda, país onde a música popular tem fortes raízes, é também representada por cantores ligeiros.



Em Roma Amália quebra um tabu. Canta no Argentina, um teatro de Ópera.O contraste é grande. Amália é a única cantora ligeira. Treme como varas verdes. Está sozinha com a guitarra portuguesa e a viola.


«Três gatos pingados que não sabiam nada de música a tocarem ao pé de uma orquestra sinfónica, enorme!».

Entra no palco em pãnico.



"Acho que tive o público comigo, ainda antes de começar".


O sucesso é grande. Sai do palco, começa a rir e a chorar ao mesmo tempo.

"Tive o único chilique da minha vida. Era tudo no palco com leques, à minha roda, a dizerem. Perchè píangere? Un sucesso! Un trionfo! Perchè píangere? E eu ao mesmo tempo chorava, ria, ria. Foi um tal medo…porque os fadistas dantes tinham muito mais complexos de inferioridade do que agora. Eu é que tirei os complexos ao fado. Nessa noite, sem querer, consegui muito. Foi um espectáculo extraordinário para mim, porque as críticas foram formidáveis. À saída, toda a gente estava à minha espera, a gritar: Brava!Brava!Brava!"


Os sucessos sucedem-se - Nova York, México, Hollywood,e não acabam mais até à sua morte.














Amália Rodrigues ultrapassa todas as fronteiras e preconceitos culturais.






Amália Rodrigues tem a arte.


Amália Rodrigues é popular e erudita através de uma voz de timbre único com uma emoção sensual e musical.



Citações de Amália Rodrigues

"Passei a minha vida a surpreender-me com o que me aconteceu, mas nunca lutei, como nunca sofri para conseguir fazer alguma coisa, para o que se chama vencer, talvez não tenha gozado bem as coisas por que passei. Embora saiba que a única artista portuguesa conhecida no estrangeiro seja eu".

"Uma vez num barco, em Vila Franca, à noite cantei aquela música do Fado Cravo que as pessoas se ajoelharam aos meus pés. Ajoelharam-se porquê? Porque senti uma emoção muito grande. (…) Nem sei como chamar a isto. Talvez eu não seja criadora, mas quando canto estou a inventar. E, para inventar, preciso de música. O fado quando comecei era amarrado como se tivesse uma só divisão e a minha maneira de cantar deu-lhe mais duas casas. Porque nada dentro daquela divisão me deixava fugir. A minha voz queria fugir dali, mas batia na porta. Tive que cantar à minha maneira".

"A diferença entre vocês e os de antigamente, é que vocês sentam-me à vossa mesa. Os outros recebiam-me muito bem, gostavam muito de mim e de me ouvir cantar, mas era diferente, só era recebida no fim, para cantar».
Amália referindo-se a Mário Soares quando em1980 é condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelo então presidente da República Mário Soares.


"Vem morte que tanto tardas / Ai como dói / A solidão quase loucura" - Amália Rodrigues

"Quando canto escuto-me, e quando me escuto acabo a chorar"


"a voz da diáspora e voz do terroir (chão), voz da distância e da intimidade, com a amplitude das mais altas vagas e a tocante descrição de recolhidos santuários». -
David Mourão Ferreira referindo-se a Amália


Estranha forma de vida

Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.
Amália Rodrigues morre com 79 anos a 6 de Outubro de 1999


Sepultada no Cemitério dos Prazeres, o seu corpo é posteriormente trasladado para o Panteão Nacional, em Lisboa (após pressão dos seus admiradores e uma modificação da lei que exigia um mínimo de quatro anos antes da trasladação), onde repousam as personalidades consideradas expoentes máximos da nacionalidade.
Amália Rodrigues representou Portugal em todo o mundo, propagou a cultura portuguesa, a língua portuguesa e o Fado.





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