quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Poesia e Pintura

A Poesia e a Pintura andam de mão dada, e se desde criança que absorvo poesia, decorando-a até quando me toca profundamente desde adolescente que tive o privilégio de poder a apreciar a arte de pintar, ficando horas a fio em frente de um quadro, não a tentar percebê-lo ... acredito que isso é impossível, mas a tentar ver o que é que naquela tela me atraía, me fazia olhar...parar... interiorizar a mancha.... a cor.... a construção...o vrivar da paleta..... De certeza que os autores se ririam se conseguissem ler os meus pensamentos quando estou frente a uma tela que me toca.

A poesia é diferente, tem uma interpretação menos abstracta, o conhecimento académico transmitido por professores não me permite ver a poesia como quero, mas como determinados iluminados quiseram que eu a interpretasse.

Tentarei fazer um registo de alguma poesia que me marcou intercalando-a com algumas telas que também me impressionaram.



As minhas asas

Eu tinha umas asas brancas,


Asas que um anjo me deu,


Que, em me eu cansando da terra,


Batia,as, voava ao céu. -


Eram brancas, brancas, brancas,


Como as do anjo que mas deu:


Eu inocente como elas,


Por isso voava ao céu.


Veio a cobiça da terra,


Vinha para me tentar;


Por seus montes de tesouros


Minhas asas não quis dar. -


Veio a ambição, co'as as grandezas,


Vinham para mas cortar,


Davam,me poder e glória;


Por nenhum preço as quis dar.


Porque as minhas asas brancas,


Asas que um anjo me deu,


Em me eu cansando da terra


Batia,as, voava ao céu.


Mas uma noite sem lua


Que eu contemplava as estrelas,


E já suspenso da terra,


Ia voar para elas, -


Deixei descair os olhos


Do céu alto e das estrelas ...


Vi, entre a névoa da terra,


Outra luz mais bela que elas.


E as minhas asas brancas,


Asas que um anjo me deu,


Para a terra me pesavam,


Já não se erguiam ao céu.


Cegou-me essa luz funesta


De enfeitiçados amores ...


Fatal amor, negra hora


Foi aquela hora de dores! -


Tudo perdi nessa hora


Que provei nos seus amores


O doce fel do deleite,


O acre prazer das dores.


E as minhas asas brancas,


Asas que um anjo me deu,


Pena a pena, me caíram


Nunca mais voei ao céu.




Almeida Garrett



Eu ilustraria este poema com esta fantástica obra do pintor Justino Alves





















Balada da Neve




Batem leve, levemente,


como quem chama por mim.


Será chuva?


Será gente?


Gente não é, certamente


e a chuva não bate assim.


É talvez a ventania:


mas há pouco, há poucochinho,


nem uma agulha bulia


na quieta melancolia


dos pinheiros do caminho...


Quem bate, assim, levemente,


com tão estranha leveza,


que mal se ouve, mal se sente?


Não é chuva, nem é gente,


nem é vento com certeza.


Fui ver.


A neve caía do azul cinzento do céu,


branca e leve, branca e fria... –


Há quanto tempo a não via!


E que saudades, Deus meu!


Olho a através da vidraça.


Pôs tudo da cor do linho.


Passa gente e, quando passa,


os passos imprime e traça na brancura do caminho...


Fico olhando esses sinais da pobre gente que avança,


e noto, por entre os mais,


os traços miniaturais duns pezitos de criança...


E descalcinhos, doridos...


a neve deixa inda vê los,


primeiro, bem definidos,


depois, em sulcos compridos,


porque não podia erguê los!...


Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim!


Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!...


Porque padecem assim?!...


E uma infinita tristeza, uma funda turbação entra em mim, fica em mim presa.


Cai neve na Natureza – e cai no meu coração.

Augusto Gil

'Luz da Manhã na Neve',
Camille Pissarro,
1895.














Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)


"O Infante"



Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.


Deus quiz que a terra fosse toda uma,


Que o mar unisse, já não separasse.


Sagrou-te, e fôste desvendando a espuma.


E a orla branca foi de ilha em continente,


Clareou, correndo, até ao fim do mundo,


E viu-se a terra inteira, de repente,


Surgir, redonda, do azul profundo.


Quem te sagrou creou-te portuguez.


Do mar e nós em ti nos deu signal.


Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.


Senhor, falta cumprir-se Portugal!


(Mensagem)


Fernando Pessoa

Nada melhor que uma magnífica obra de Turner para ilustrar este poema.


Turner
Joseph Mallord William Turner

Naufrágio (1805),
Tate Gallery - Londres







Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!

E é amar te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca





O poema é a liberdade
Um poema não se programa porém a disciplina - sílaba por sílaba - o acompanha
Sílaba por sílaba o poema emerge - como se os deuses o dessem o fazemos.

Sophia de Mello Breyner Andresen



Poeta quer dizer Possesso. Não devemos confundir os artistas do verso com os criadores de Poesia. Os primeiros interessam apenas à Literatura, ao passo que os segundos têm um interesse vital e universal, como uma flor ou uma estrela.

Teixeira de Pascoaes




Fora existe o mundo.Fora, a esplêndida violênciaou os bagos de uva de onde nascemas raízes minúsculas do sol.Fora, os corpos genuínos e inalteráveisdo nosso amor,os rios, a grande paz exterior das coisas,as folhas dormindo o silêncio,as sementes à beira do vento,- a hora teatral da posse.E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

Herberto Helder



Se houvesse degraus...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,

eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.

No céu podia tecer uma nuvem toda negra.

E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,

e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,

levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.

Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Herberto Helder

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