MULHER
Mulheres
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Que mulher nunca teve
Um sutiã meio furado,
Um tio meio tarado
Ou um amigo meio viado?
Que mulher nunca temeu
Uma consulta dentária,
Passar atestado de otária
Ou a incontinencia urinária?
Que mulher nunca tomou
Um fora de querer sumir,
Um porre de cair;
Ou um lexotan pra dormir ?
Que mulher nunca sonhou
Com o marido da melhor amiga,
Com a sogra morta, estendida
Ou com uma lipo na barriga ?
Que mulher nunca pensou
Em zunir uma panela,
Jogar os filhos pela janela
Ou que a culpa era toda dela ?
Que mulher nunca penou
Pra ter a perna depilada,
Pra aturar uma empregada
Ou pra trabalhar menstruada ?
Que mulher nunca acordou
Com um desconhecido ao lado,
Com o cabelo desgrenhado
Ou com o travesseiro babado ?
Que mulher nunca comeu
Uma caixa de Bis, por ansiedade,
Uma alface, no almoço, por vaidade
Ou, um canalha por saudade ?
Que mulher nunca apertou
O pé no sapato pra caber,
A barriga pra emagrecer
Ou um fininho pra enlouquecer ?
Que mulher nunca jurou
Que não estava ao telefone,
Que nem pensa em silicone
Ou que "dele" não lembra nem o nome ?
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(de um grupo formado por cinco mulheres)
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Fala baixo, podem escutar,
Geme e xinga baixinho,
Pra não acordar o vizinho.
Cuidado, a cama está rangendo.
Que tu praticaste um acto
Eivado de desacato
À moralidade e ao Direito,
Aos bons costumes e ao respeito.
E a vizinha, com inveja
Da tua simples liberdade
Que ela não consegue ter,
Vai espalhar no condominio
Que és um ser sem dominio,
Predestinada a morrer,
Que és uma gata perdida
Por certo ganhas a vida,
Vendendo aos homens prazer,
Não vai ela entender nunca,
No vai e vem da sua vida.
Que a sua vida não é vida,
É obrigação de ser
Qualificada de esposa,
E neste estado ela não ousa
Amar e sentir prazer
Pois, pela Religião,
Prazer é coisa do Ceu,
Uma coisa pra não se ter,
Prazer é pecado mortal,
O prazer fere a moral,
E as virtudes do "Alto Ser".
A pobre vizinha escuta
Todos os dias no rádio
Que sentir prazer é p puta,
Que esposa é mulher "Fria"? que sustenta
Sua vida e de seus rebentos,
Por certo não advem
de estar na disposição
De um homem que a sustem.
O sistema incutiu nela
Que a que está à disposição
De um ser pelo seu tostão
Tem o "status" de esposa,
Não se iguala à mariposa,
Que troca o parceiro João
Pelo José? ou o Romeu,
Desde que lhe pague o pão.
Aprende, vizinha amiga,
Que a tua condição é a mesma,
Tendo até mais privilégio
A outra que está na zona,
Pois esta não tem quem tome
Dela satisfação,
Trabalha o dia que quer,
Ela é bem mais mulher
Na sua situação,
Que uma "esposa" qualquer
Debaixo de repressão.
Mulher companheira, amiga,
O que é o Casamento,
Se não ver teu sentimento
Menosprezado até o ponto
De transformá-lo em documento
Com efeito de sacramento?
Atenta pra encenação
desta imbecil instituição,
Que te põe na posição
De prostituta em acção,
Porém, como já falamos,
Em condições bem piores
Por não teres opção
De entregar teu sentimento
Pra quem ditar teu coração.
Este é o jogo do Sistema
No papel que dá à mulher,Ou ela ?
Puta de Arena
Soneto da Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes
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